A acrofobia porto-alegrense: uma resposta a David Coimbra

David Coimbra criticou em sua coluna os dois “espigões” que deverão ser construídos ao lado do Beira-Rio. Abaixo, a resposta dos arquitetos Rodrigo Petersen (Petersen Arquitetura e Urbanismo) e Luis Henrique Bueno Villanova (Ideia1 Arquitetura).

Cada discussão sobre novos projetos para Porto Alegre parece sempre esbarrar em “certezas” enraizadas na cultura popular estabelecida há muitos anos na cidade. A forte crítica feita por David Coimbra ao empreendimento junto ao estádio Beira-Rio parece um pouco precipitada e com argumentos difíceis de sustentar tecnicamente. Além disso, perde-se uma oportunidade de discutir pontos mais importantes da relação que um edifício em altura pode ter com seu entorno. Dados do Council on Tall Building and Urban Habitat mostram que, a cada ano, mais edifícios altos são construídos. Por que Porto Alegre precisa ser avessa a essa tipologia, enquanto cidades europeias, por exemplo, passam a aceitá-las?

 

O maior edifício terá 130 metros, e será o mais alto do Rio Grande do Sul. (Imagem: Hype Studio/Reprodução)

O problema não é a verticalização em si, mas como ela é feita em Porto Alegre. A construção de edifícios altos deve ser uma resposta a uma maior demanda por território: mais pessoas querendo morar no mesmo lugar. Assim, a verticalização aproxima as pessoas e permite ganhos de escala no uso do espaço e da infraestrutura construída. O adensamento gerado por uma edificação em altura é bom e necessário. Em tese, ocupa menos espaço físico e, por consequência, deixa mais espaço de meio ambiente natural intocado, restringindo o espraiamento urbano. Além disso, quanto maior a densidade, mais economicamente viáveis (ou até lucrativos) são estes investimentos em infraestrutura e transporte público.

Por certo que adensamento e verticalização não são sinônimos: bairros verticalizados como o Bela Vista têm metade da densidade que a Cidade Baixa, por exemplo. Em Porto Alegre, a ineficiência da verticalização pode ser atribuída aos recuos obrigatórios na legislação, distanciando os edifícios e afastando-os das calçadas. A noção parte de um conceito equivocado de ventilação e insolação que remete tanto à antiga teoria do “miasma”, quanto ao urbanismo modernista-corbusiano na ideia de liberar o solo para áreas de lazer — resultando em áreas condominiais subutilizadas. Claro que nem sempre o adensamento estimula a vitalidade urbana e a segurança pela presença de pessoas na rua. Ele é uma condição necessária, mas não suficiente.

Voltando ao ponto, o que realmente deveria estar sendo discutido é a relação que este empreendimento terá com seu entorno. Não podemos mais reproduzir edifícios isolados da rua, estanques e progressivamente autossuficientes. Hoje, uma das características mais pesquisadas por estudiosos de edificações em altura é a condição da base em relação ao local de inserção. Além de ser no encontro entre a base das edificações e o solo em que a vida e o fluxo da cidade acontecem, é no encontro dessa megaestrutura com o nível da rua que essa poderá interferir na vitalidade da paisagem em uma metrópole.

 

Verticalização de Chicago. (Imagem: Nicholas Moulds/Flickr)

 

Como o famoso urbanista Jan Gehl afirma, a partir do 5º pavimento perde-se a relação com a cidade, ou seja, nossas atenções devem-se voltar aos primeiros pavimentos do prédio e não se ele terá 15 ou 20 andares. Isto é consequência. A verticalização constitui uma boa oportunidade de tornar as ruas um espaço ativo e agradável. Com edifícios longe das calçadas e uns dos outros, fica difícil viabilizar atividades comerciais no térreo, pois é a continuidade das lojas e sua proximidade com o pedestre que realmente agregam valor comercial, facilitando o acesso e a leitura das vitrines. Não coincidentemente, esta é exatamente a forma de qualquer rua comercial de sucesso — replicada nos shopping centers do mundo inteiro, de maneira fechada.

Correntes contra a verticalização afirmam que o impacto sobre o microclima piora com o obstáculo à ventilação. O efeito da ilha de calor é inegável, mas acreditamos que as pessoas que decidem morar em tais regiões estão dispostas a enfrentar 1 ou 2 graus a mais em troca dos benefícios de um local mais adensado. Além disso, já há disseminação de coberturas e fachadas verdes para mitigar esse problema. Note-se que no caso em questão, trazido pelo jornalista, estamos falando de duas torres isoladas no meio de um descampado que, hoje, serve para abrigar carros — uma ou duas vezes por semana — durante os jogos do Beira-Rio. Ou seja, o impacto seria mínimo relativamente à geração de ilhas de calor.

Quanto a uma torre na orla, poderíamos citar inúmeros casos em que esta condição acontece. No geral, qual seu efeito? Vida para beira do rio. Há estudiosos que abordam o grande potencial que um edifício em altura tem de gerar “placemaking” no seu entorno. Porto Alegre ainda possui uma enorme vantagem de sua belíssima orla ser voltada para o oeste. Ou seja, o sol da tarde sempre incidirá sem nenhum obstáculo.

A sensação é que existe uma “cultura do contra” em Porto Alegre, uma cultura que faz oposição sistemática, mesmo que não tenha alternativa viável a oferecer. O projeto Pontal, da construtora Melnick Even, será constituído por uma torre comercial, centro médico, shopping center, centro de eventos e um parque. Ainda que tenhamos ressalvas ao projeto, não podemos deixar de celebrar o fato de que um dos pontos mais conhecidos da Zona Sul não seguirá abandonado. O mesmo pensamento serve para as torres ao lado do Beira-Rio. Soluções? Existem inúmeras, mas temos que confiar nos arquitetos responsáveis. É uma bela oportunidade para discutirmos a acrofobia que existe em Porto Alegre. Pois, com certeza, se o projeto for pensado na relação com seu entorno, haverá uma maior e melhor vitalidade para uma área que está sendo esporadicamente usada para estacionar carros. Há algo mais “século XX” que isso?